‘Temos um mundo com população grande e recursos limitados’, diz o médico Paulo Saldiva, especialista em mudança climática

Um dos patologistas mais respeitados do Brasil, o cientista e professor da USP Paulo Saldiva tem se dedicado muito a um assunto originado fora da medicina, mas que a está afetando enormemente: a mudança climática.

Estudioso do efeito da poluição no organismo, Saldiva afirma que o aquecimento global traz essa e outras dimensões de problemas para a mesa da Saúde.

Segundo ele, não é possível discutir hoje o impacto da crise do clima sem essa perspectiva, e não se pode fazer política ambiental sem levar em conta consequências sanitárias.

— Nós precisamos colocar o preço da perda de saúde nas políticas para o clima — diz.

Em entrevista ao GLOBO, Saldiva antecipou um pouco do que vai falar na próxima sexta-feira a um público de Belém (PA), em seminário promovido pela Confederação Nacional de Saúde e pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).

O sr. tem uma visão particular sobre a questão ambiental, inspirada na fisiologia humana. Pode explicá-la?

As cidades brasileiras se programaram para uma realidade quando elas foram criadas, 500 ou 400 anos atrás, caso de São Paulo, Rio de Janeiro e outras. O que eu faço é uma analogia com um bebê. A cidade tem uma genética, que é a cultura de quem a compôs, assim como esse bebê. O organismo do bebê, durante a gestação e seu desenvolvimento, se programa pelo tipo de comida que a mãe recebe ou não, e tenta se adaptar.

Da mesma maneira, a cidade tem modulação da expressão dos seus genes. O organismo de uma criança que nasceu de uma mãe passando fome, na qual a placenta não se desenvolveu adequadamente, faz uma previsão de que vai passar fome também, e toma uma série de medidas. Ele tenta salvar o cérebro, diminui então os receptores de insulina para que o nível de glicose seja mais alto, aumentando a eficiência absortiva.

Só que se essa criança nasce num ambiente cheio de gordura e calorias, ela vai engordar e vai fazer diabetes do tipo 2. Isso se chama “programação fetal das doenças”.

O que acontece com as cidades, é que elas foram constituídas quando a população humana era pequena, num mundo grande com recursos virtualmente infinitos. Só que nos últimos 150 anos, houve um aumento enorme da população na Terra e uma mudança dos hábitos de consumo. O resultado disso é que a gente tem uma população grande para um mundo com recursos limitados, e maladaptação.

A cidade de São Paulo, por exemplo, tem “trombos arteriais” veiculares, metálicos, que impedem o fluxo. Quando quando chove, ela desenvolve “edema”, quando não chove desidrata e tem febre. Ela tem queda de pelos, uma “alopecia” pelo desmatamento. Tem “diarreia aquosa” representada pelos rios…

O sr. tem uma palestra nesta sexta dirigada um púbico de Belém, cidade que vai sediar a COP30, a conferência do clima da ONU. Que contribuição a Saúde deve dar para a discussão da mudança climática?

A ideia é de que a saúde talvez possa colocar valores e reduzir essa escala colossal da indiferença para problemas ambientais e para a indiferença com o sofrimento humano. Os hospitais e a saúde foram fundados sobre o ato de cuidar. E o cuidado é um ato que inicia a civilização. Na realidade, nós vivemos pela colaboração e pelo cuidado, e não pela nossa força física.

O setor de saúde pode fazer muito hoje nessa frente. Veja o caso das pandemias, veja o que está acontecendo com o tratamento da dengue e com o acolhimento das pessoas devido a ondas de calor extremo, frio e inundações. O ato de cuidar, portanto, é inerente à espécie humana, e tem uma força poderosíssima de comunicação.

A saúde tem um papel importante, porque ela conta com uma rede de capilaridade no país, que consegue organizar programas federais, uma vacinação federal, estadual e municipal, e integra tudo. O setor de segurança pública, em comparação, não tem isso.

Então, a saúde está tradicionalmente mais equipada, do ponto de vista de estruturas de governo e também pelo fato de que sempre cuidou de doenças ambientais, ligadas a mosquitos, sujidade e exclusão.

Se a saúde tem mais institucionalidade que a área do Meio Ambiente, como essa robustez pode ajudar na contribuição da mudança climática?

Veja o caso do cigarro. A saúde detecta a associação de cigarro com uma série de malefícios, mas também põe as condições de “advocacy” para que se possa tomar medidas, tanto tarifárias quanto de comunicação, para fazer cair o número de fumantes. Se você ficasse só na caixa da saúde, seria o equivalente a fazer política pública apenas aumentando o número de vagas de pneumologistas, cirurgiões torácicos e oncologistas, deixando todo o resto de lado.

Isso implica que a Saúde precisa também ser menos emissora de CO2, o que significa reduzir a pegada de carbono do atendimento hospitalar e dos procedimentos médicos, diminuir a produção de resíduo sólido. A saúde vai ter que dialogar com áreas em que ela não tem domínio.

Nós conseguimos vacinar pessoas por uma doença viral transmitida por mosquitos, e que é uma coisa afetada pelas mudanças climáticas. Mas a Saúde não consegue regular consumo de energia por combustível fóssil, nem o uso e a ocupação do solo, que vão afetar a saúde lá na ponta. Nós precisamos colocar o preço da perda de saúde nas políticas para o clima.

Como isso pode ser feito?

É difícil responder, mas também tem a ver com o exemplo da indústria do cigarro. Para cada R$ 1 de arrecadação da cadeia produtiva do cigarro, gastam-se R$ 8 de perdas de saúde, seja pelo tratamento ou seja a perda da capacidade produtiva por adoecimento. Quando se incorpora a saúde às mudanças climáticas e se atribui o valor do trabalho perdido, junto com o valor do que o sistema de saúde gastou, você vê que uma parte substancial, senão a totalidade, dos custos necessários para reduzir as emissões já está embutido ali.

ARTIGO  Trump acusa Biden de encobrir condição de saúde e ordena investigação sobre sua presidência

Isso significa, em resumo, que nós estamos subsidiando formas não sustentáveis de energia por meio dos custos impostos à saúde. É por isso que eu estou chamando os hospitais para advocacy, e é isso que eu vou tentar falar lá para o público em Belém.

O setor de saúde está mesmo preocupado com emissões de CO2?

Eu acho que a saúde acordou para isso, em parte. Já existe uma iniciativa de hospitais verdes, mas até a COP de Copenhague, em 2009, a saúde não tinha entrado nesse barco. Ela foi o último passageiro a embarcar.

A saúde está tão assoberbada com problemas imediatos, há tanto tempo, que está difícil de ampliar essa coalizão, mas ela já existe sim. A Organização Mundial da Saúde, com algum atraso, foi a última das entidades globais a fazer um documento sobre mudança climática mais completo.

O sr. tem estudado muito o impacto da fumaça de queimadas na saúde dos brasileiros. Por ser causa e consequência do aquecimento global, ele será um problema mais difícil de lidar?

O clima influencia queimadas, mas o Brasil queima desde o século XVI em produção agrícola, com a cana-de-açúcar, com os portugueses aqui. Holandeses e franceses chegaram no Nordeste e continuaram queimando. Os índios faziam isso em pequena escala, mas eram queimadas pequenas e com uma certa sabedoria.

Hoje o setor agropecuário é diverso. Você tem setor agropecuário que está investindo pesado em sustentabilidade e o outro que toca fogo. Mas o que faz certo não ganha incentivo em relação ao outro. Esse é o grande problema. Então existe todo um arcabouço regulatório que precisa ser feito, mas o próprio setor tem dificuldade de fazer essa distinção.

Hoje em São Paulo, a cidade tem um preparo para lidar com extremos de frio, para cuidar da população de rua, por exemplo. Por que não vemos isso durante ondas de calor?

Os alertas para calor, na verdade, existem, mas é uma coisa divulgacional, simbólica. Você põe os sprinklers na rua, tem umas tendinhas distribuindo água. No Rio também tem. Mas a gente vai precisar de mais que isso. Precisamos fazer um treinamento para os agentes de saúde identificarem riscos.

Nós estamos menos capacitados para lidar com extremos de temperatura do que para lidar com doenças infecciosas, por uma questão cultural. O Brasil foi um player importante na prevenção de doenças, com teste vacinais, e está muito equipado. Mas temos que estender isso.

Sem dúvida. É o clima com os problemas de saneamenteo e ambientais. Com a mudança dos regimes de chuva, com concentração das chuvas em um determinado período, aparecem os criadores naturais que vão se expandido também geograficamente, chegando em lugares onde não tinha, porque o clima mudou.

Para enfrentar isso o Brasil tem em fase de produção agora a vacina de dengue mais eficiente do mundo, no Butantan. É importante não tratar vacina como commodity, mas como um bem comum, sem lucro em vista, por isso que ela está chegando.

O sr. também tem escrito sobre a relação entre o aumento da violência e a mudança climática. Essa ligação já está bem estabelecida?

Sim. E não é só para violência “externa”, mas também para autoviolência. A violência externa tem explicações mais simples. O nosso sistema termoregulador no cérebro, que é hipotalâmico, interfere na secreção de hormônios, como serotonina, como a vasopressina, ocitocina… que são reguladores do humor também. E existem estudos sobre suicídio.

Além disso, tem o problema de que nas ondas de calor a gente não dorme bem. O sono fragmentado modifica o nosso humor. E tem outas coisas. O fato de todo mundo ir para a rua e beber até mais tarde também não ajuda, por exemplo. Existe sim uma associação robusta entre o aumento de violência urbana e ondas de calor.

O grande entrave hoje no acordo do clima é a discussão sobre como financiar o combate ao aquecimento. A conta do impacto ambiental na saúde dos países pobres pode ser um bom argumento para os países ricos entrarem com mais dinheiro na discussão?

A saúde está começando agora a entrar com mais força nisso. Vamos pegar um exemplo de queimadas. Sempre se queimou na América Central, na América Latina, na Oceania… lugares longe dos países mais influentes. Mas agora no verão pega muito fogo na Califórnia e na Europa.

Nesses lugares o recurso saiu, porque a queimada entrou no mapa. Existe uma certa assimetria, que eu não vou chamar de racismo agora, que é aquilo de você só conseguir enxergar aquilo que está perto de você.

Quando o problema se põe num grupo de pessoas como questão de cidadania, as pessoas ficam mais conscientes. Por isso que a mudança climática não é uma questão só ambiental, não é só de saúde, mas é fundamentalmente de cidadania.

Vídeo Viral - Sistema de Bloqueio
🔒

CONTEÚDO EXCLUSIVO!

Para continuar assistindo este vídeo incrível, compartilhe este post sobre perfumes com seus amigos no Facebook!

Olá! Eu sou o criador do Alba Saúde, um espaço dedicado a quem busca bem-estar, equilíbrio e qualidade de vida em meio à correria do dia a dia.

Aqui no albasaude.com.br, compartilho dicas simples e práticas sobre saúde física, mental e emocional — sempre com foco na informação clara, acessível e baseada em boas práticas. Falo sobre alimentação saudável, sono, exercícios, hábitos positivos, controle do estresse e autocuidado, tudo com o objetivo de ajudar você a viver melhor.

Publicar comentário